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Prepare-se para viver mais

Uma pesquisa da consultoria Nielsen divulgada com exclusividade pelo jornal Valor Econômico na semana passada chamou a atenção ao revelar que, na América Latina, o Brasil é o único país onde primordialmente as pessoas gastam o dinheiro que sobra ao invés de poupá-lo. Lazer, roupas novas e bens de consumo aparecem como destinos prioritários para os recursos que não são gastos ao longo do mês. Em contrapartida, em países como Chile, México e Argentina, a prioridade é dada para a poupança, isso é, para a conquista de liberdade financeira no futuro.

 

Em uma enquete que realizei para uma revista financeira em 2010, e novamente no início de 2013, perguntamos para uma amostra representativa da nova classe média a razão de se poupar tão pouco no Brasil. A resposta número 1 foi: “eu não ganho o suficiente para poupar”. Se isso fosse verdade, todo país com baixa renda per capita deveria ter baixas taxas de poupança. No entanto, não é isso que os dados revelam. Uma série de países emergentes com rendas iguais ou inferiores à brasileira apresentam taxas de poupança bem superiores à nossa, tanto na Ásia como na América Latina.

 

Colocar algo que está fora de nosso controle direto (o quanto ganhamos) como motivo para não poupar soa razoável, mas embute a raiz do verdadeiro problema: ser incapaz de controlar as despesas para que sejam compatíveis com a conquista de independência financeira. Decidir gastar ou não em lazer, roupas novas e bens de consumo diversos está 100% sob nosso controle, embora não seja visto como a principal razão para não poupar e investir. Esse impulso pelo consumo tem razões diversas. Boa parte da nova classe média, foco da pesquisa mencionada, por muito tempo não teve acesso à bancarização, ao crédito e, consequentemente, a um patamar de consumo que agora está acessível.

 

Estudos recentes de neuroeconomia, cadeira que estuda como nosso cérebro processa informações e toma decisões, sugerem que precisamos trabalhar no esforço de educação financeira com base nas funções desempenhadas pelas diferentes regiões do cérebro para obter resultados eficazes. Em linhas gerais, questões urgentes e de curto prazo são tratadas pelo sistema límbico. Essa região do cérebro lida com emoções primitivas como fome, frio, medo, desejo sexual, dentre outras, e está diretamente ligada à tomada de atitudes, como fugir ou brigar. Por outro lado, o neocórtex, trabalha temas que exigem raciocínio abstrato mais complexo, como operações matemáticas de divisão, planejamento de longo prazo etc. A questão é que há pouca ou fraca ligação entre essa região e o sistema límbico, no qual as decisões e atitudes são efetivamente levadas à prática. Dito isso, para que consigamos mobilizar uma pessoa para priorizar a poupança e os benefícios que trará no futuro, precisamos trazer uma noção de urgência concreta, de tal forma que esse tema seja tratado pelo sistema límbico e uma atitude seja realmente tomada.

 

Alguns fatos podem ser valiosos para ajudar a criar essa noção de urgência e trazer o tema para a região do cérebro que nos fará agir. Em primeiro lugar, há um grande erro de estimação por parte da maioria das pessoas quanto à renda que precisarão ter no momento da aposentadoria. A maioria imagina que, se for capaz de cobrir 70% a 80% dos seus gastos atuais, terá uma aposentadoria segura e tranquila. Contudo, os dados apontam que o padrão de despesas após a aposentadoria aumenta para 110% a 115% daqueles observados no final da vida ativa. Isso ocorre principalmente pelos gastos com saúde (medicamentos, tratamentos, planos de saúde etc) e, de forma secundária, pela subestimação dos gastos com lazer e tempo livre. Ou seja, prepare-se. Gastaremos mais aposentado do que na vida ativa.

 

Em segundo lugar, estamos vivendo por mais tempo. A expectativa de vida média do brasileiro vem crescendo com consistência ao longo das últimas décadas e o risco aqui é viver mais do que nossos recursos financeiros. E, em terceiro lugar, os filhos, que geralmente atuaram como a “previdência” dos pais nas últimas gerações, são cada vez menos numerosos. Se 30 anos atrás cada casal tinha, em média, 4 filhos, esse número hoje é de 1,7 filho por casal. O que quer dizer que o peso financeiro dos pais que não conseguem se sustentar após a aposentadoria recai hoje sobre um número menor de filhos, dificultando a conquista de independência financeira por esses. Uma verdadeira bola de neve que propagará esse ciclo vicioso para outras gerações. Não me parece um legado interessante para se deixar a filhos e netos.

 

Por fim, não custa mencionar que o benefício médio pago pela previdência oficial, o INSS, não cobre os custos fixos de uma família de classe média, conforme demonstrado pelo padrão de gastos da última pesquisa de orçamento familiar do IBGE. Não se mobilizar para tomar uma atitude que construa sua liberdade financeira por meio da poupança disciplinada e estruturada ao longo do tempo tem quatro consequências bem concretas para você e sua família:

 

1) Você terá que continuar trabalhando após a idade ideal de aposentadoria (diversos estudos mostram que isso impacta negativamente sua expectativa de vida);
2) Você será obrigado a rebaixar seu padrão de consumo e de vida, distanciando-se dos hábitos e prazeres que desfrutava durante a vida ativa;
3) Você será um peso financeiro para seus filhos e tornará ainda mais difícil o processo de conquista de liberdade financeira por eles;
4) Você viverá uma combinação dos três pontos acima, que é o mais comum no Brasil de hoje (continuará trabalhando, terá rebaixado o padrão de vida de toda a família e será um peso financeiro para as gerações seguintes). Os pontos mencionados deveriam ativar o sistema límbico de qualquer um com um mínimo de consciência e responsabilidade, se não consigo, pelo menos, para com filhos e netos. 

 

Autor: Aquiles Mosca 
Fonte: Valor Online 

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