Finanças e previdência

Consumidor X Consumista: qual a diferença?

Data de Publicação: 07/11/24

O livro “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, é um clássico da literatura mundial, conhecido por suas reflexões profundas sobre a vida. Uma das frases mais marcantes é quando a raposa explica ao Pequeno Príncipe sobre o vínculo criado ao cativar alguém ou algo, mostrando que o afeto traz uma responsabilidade mútua: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.” Essa frase sugere que, ao nos apegarmos a algo ou alguém, também nos tornamos ligados a ele, permitindo que ele “nos possua” de certa forma.

Consumir e possuir mais bens tornou-se uma característica marcante da sociedade contemporânea, onde o consumo é visto não só para satisfazer necessidades e desejos, mas também como meio de alcançar status, pertencimento e realização pessoal. Essa busca por pertencimento eleva os padrões de consumo, levando a um consumismo irracional e desenfreado.

A ideia de que “quanto mais, quanto maior, melhor” tornou-se um dogma na sociedade atual. No passado, o consumo da elite era exibido para um círculo restrito, mas, no último meio século, o consumo e a exibição tornaram-se essenciais, especialmente com o impacto das redes sociais. Como em uma corrida armamentista, o objetivo parece ser superar os outros em poder aquisitivo, estilo de vida e status social.

Muitos americanos e membros da elite econômica brasileira escolhem SUVs e caminhonetes pesadas, acreditando que esses veículos são mais seguros em acidentes fatais. Dados do National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA) mostram que motoristas de veículos com mais de 2,2 toneladas são cerca de 50% mais seguros em colisões fatais. No entanto, essa preferência traz consequências: a revista “The Economist” revelou que, nos EUA, as estradas são quase duas vezes mais perigosas que em outros países ricos, com quase 40.000 mortes anuais. Veículos grandes não só aumentam a segurança dos ocupantes, mas também a probabilidade de causar mortes a outros, além de aumentar o consumo de combustível e as emissões de gases poluentes. Assim, embora a escolha por um carro maior pareça racional para o indivíduo, é insustentável e prejudicial para a coletividade, exigindo políticas públicas para romper essa lógica.

A Europa tem implementado políticas que desincentivam o uso de carros grandes e pesados. Em 2022, a França introduziu uma sobretaxa de €10 (US$11) por kg para veículos novos com mais de 1.800 kg, enquanto na Noruega os compradores de carros enfrentam uma tributação de NKr12,50 (US$1,17) por kg acima de 500 kg. Assim, na França a chance de morrer em um acidente de trânsito hoje é três vezes menor do que nos Estados Unidos da América.

Essa lógica de “quanto maior, melhor” se aplica também às residências. Desde a década de 1950, o tamanho médio das casas americanas mais que dobrou, passando de 100 m² para 230 m², enquanto o número médio de pessoas por família diminuiu. Esse aumento de espaço por habitante triplicou em 70 anos, levando a mais isolamento familiar e maior consumo de energia e recursos, com impacto ambiental significativo devido ao uso intensivo de eletricidade e materiais de construção como concreto e aço, grandes emissores de carbono. Em contraste, as casas na Europa, especialmente no Reino Unido, França e Alemanha, são significativamente menores e têm menor impacto ambiental. Esse consumo excessivo nos EUA contrasta com a necessidade urgente de enfrentar as mudanças climáticas.

Diante dos impactos sociais, econômicos e ambientais da busca por mais espaço, potência e tamanho, é urgente refletir sobre um estilo de vida mais simples. Seria ideal que a elite econômica brasileira se inspirasse mais na Europa do que nos EUA, pois a ideia de “quanto mais, quanto maior, melhor” alimenta um ciclo de consumo excessivo que prejudica o meio ambiente e nos prende em um modelo de vida insustentável. Buscamos consumir para aumentar nossa felicidade, mas esquecemos que o poder do consumo em melhorar nossa vida é limitado.

Podemos, então, retornar à lição simples que a raposa ensina ao príncipe: sempre que possuímos algo, esse bem também nos possui e nos aprisiona. Optar por uma vida mais simples e consciente, priorizando o necessário ao invés do excesso, nos liberta desse ciclo. A raposa ensina que o verdadeiro valor não está no acúmulo de bens, mas na liberdade e qualidade de nossas escolhas.

A ideia aqui não é negar o consumo; consumir não é ruim, e bens de consumo podem, sim, melhorar nossa vida. Porém, é essencial diferenciar ser consumidor de ser consumista. O consumo consciente pode melhorar nossa vida, enquanto o consumismo é o vício no consumo e, como todo vício, acaba nos aprisionando e prejudicando nossa qualidade de vida.

Jurandir Sell Macedo

Doutor em Finanças Comportamentais com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva, sendo pioneiro nesta área no Brasil. Nosso consultor na área financeira e previdenciária.

jurandirsell.com.br

<