A população brasileira está envelhecendo a um ritmo muito acelerado. Enquanto países como a França levaram cerca de um século para mudar sua pirâmide etária de uma população predominantemente jovem para uma mais envelhecida, o Brasil está realizando essa transição em apenas duas décadas. Esse envelhecimento rápido gera desafios e oportunidades em várias áreas, mas um fenômeno curioso e crescente é o aumento dos chamados “divórcios grisalhos” — divórcios que envolvem pessoas com mais de 50 anos.
Aumento da expectativa de vida
Entre 1950 e 2023, o Brasil viu um aumento significativo na expectativa de vida ao nascer. Nesse período, a expectativa de vida aumentou em 27 anos e 4 meses. Esse ganho foi impulsionado principalmente pela redução da mortalidade infantil. No entanto, para entender melhor o fenômeno dos divórcios grisalhos, é relevante observar o aumento da expectativa de vida para pessoas que atingiram idades mais avançadas.
Em 1950, uma pessoa de 50 anos poderia esperar viver mais 20 anos. Em 2023, essa expectativa aumentou para cerca de 30 anos. Aos 65 anos, a idade em que a Organização Mundial da Saúde considera uma pessoa idosa, o ganho foi de seis anos e três meses.
O impacto na vida conjugal
Com maior expectativa de vida e melhor saúde, muitos casais mais velhos estão reavaliando seus relacionamentos. Durante muito tempo, prevaleceu a ideia de que o casamento só terminava com a morte de um dos cônjuges. O divórcio só se tornou legal em 1977, e mesmo após isso, casamentos frequentemente continuavam, mesmo sem afeto, especialmente entre pessoas mais velhas.
Atualmente, cerca de 25% dos divórcios no Brasil envolvem pessoas com mais de 50 anos, um aumento expressivo em relação aos 10% registrados em 2010. Esse crescimento reflete o fato de que, com uma vida mais longa e saudável, muitas pessoas sentem que têm uma “segunda chance” de viver de maneira plena, incluindo relacionamentos afetivos.
Síndrome do ninho vazio e a busca por realização pessoal
Após os filhos saírem de casa, o chamado “ninho vazio” pode expor distâncias emocionais que se acumularam ao longo dos anos. Antigamente, poucas pessoas se separavam nessa fase, em parte devido à dependência financeira das mulheres e à expectativa de vida mais curta.
Hoje, essa realidade mudou. As mulheres conquistaram maior independência financeira, e tanto homens quanto mulheres estão vivendo mais tempo com saúde e vitalidade. Diante dos avanços da medicina, as pessoas mantêm suas faculdades mentais, corpos saudáveis e vida sexual ativa por mais tempo. Além de viver mais, a qualidade de vida melhorou, proporcionando mais disposição para aproveitar a vida.
Assim, muitos “grisalhos”, ao notarem que seus relacionamentos não vão bem, decidem que não vale a pena manter um casamento que perdeu o brilho, optando por pôr fim à união, mesmo após décadas juntos.
Desafios do divórcio grisalho
O divórcio em idades avançadas, no entanto, traz suas próprias complexidades. Quando ambos os cônjuges concordam com a separação, é possível preservar laços importantes, tanto familiares quanto sociais. Porém, quando apenas um dos parceiros deseja o divórcio, os impactos podem ser profundos, afetando o casal, os filhos e os amigos próximos. Quanto mais longo o casamento, mais laços afetivos se formam, e o rompimento pode causar sofrimentos que vão além dos cônjuges.
A divisão de bens também pode ser um ponto de atrito. Muitas vezes, o cônjuge que se sente abandonado usa questões financeiras como “última batalha”. Esse tipo de litígio pode destruir patrimônios acumulados ao longo de anos e afetar o planejamento financeiro para a aposentadoria.
A realidade dos relacionamentos na velhice
Com a expectativa de vida saudável se estendendo, poucos casais conseguem manter um único relacionamento por toda a vida. Para um casamento durar, ambos os parceiros precisam estar dispostos a mudar e se adaptar ao longo dos anos. Relacionamentos duradouros geralmente envolvem cônjuges que crescem juntos e se transformam.
Uma história ilustra bem essa questão. Um casal decide comemorar suas bodas de ouro indo ao mesmo hotel onde passou a lua de mel. Tudo parecia perfeito. No quarto, os dois puderam observar os mesmos cuidados de 50 anos antes. O restaurante continuava maravilhoso, o café da manhã continuava delicioso, e até o som do bar continuava divino.
Ao sair, o casal chamou o gerente geral para dar os parabéns e perguntou como era possível manter o hotel igual ao que era há cinco décadas. O gerente, desolado, respondeu: “Como assim? Nunca ficamos um mês sequer sem mudar. Nem de longe somos o que éramos há 50 anos.”.
Eu mantenho um casamento feliz há 38 anos, e muitos amigos me perguntam qual o segredo para se manter casado por tanto tempo com a mesma mulher, e eu sempre digo que não sou casado com a mesma mulher. A pessoa com quem vivo hoje é completamente diferente daquela por quem me apaixonei. Nossa relação é completamente diferente e, da mesma forma, acredito que ela não conseguiria viver ao lado de quem eu era no passado.
Conclusão
O fenômeno dos divórcios grisalhos no Brasil reflete não apenas o aumento da expectativa de vida, mas também mudanças nas expectativas e nos desejos das pessoas na meia-idade e na velhice. Viver mais e com mais saúde oferece oportunidades de reavaliação pessoal e afetiva. Terminar um relacionamento pode ser uma alternativa, mas lutar para manter um casamento longevo e prazeroso pode ser igualmente interessante. Para que um casamento sobreviva às mudanças que o tempo impõe, ambos os cônjuges devem estar dispostos a se transformar ao longo da jornada. Afinal, o casamento, assim como a vida, é um processo contínuo de mudança.
Jurandir Sell Macedo
Doutor em Finanças Comportamentais com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva, sendo pioneiro nesta área no Brasil. Nosso consultor na área financeira e previdenciária.