Finanças e previdência

Planejamento familiar e as três reservas

Data de Publicação: 25/06/24

Trabalhar, ganhar dinheiro, gastar e poupar são os motores da economia de mercado. Todos sabemos que, para viver nas economias modernas, precisamos de dinheiro e que, para viver, é preciso consumir. Embora muitos entendam a importância de poupar, apenas uma minoria consegue efetivamente fazer isso.

A ideia de poupar está tão entranhada na nossa cultura que raramente refletimos sobre o que realmente significa. Poupar implica não apenas acumular recursos para necessidades futuras, mas também exercer disciplina financeira e planejamento a longo prazo. Guardar algo hoje para necessidades futuras é a pedra fundamental do ato de poupar.

Quando os humanos precisaram enfrentar ambientes hostis, seja pela seca ou pelo frio, aprenderam que, se não guardassem uma parte do resultado do seu trabalho no tempo de abundância, pereceriam na época de escassez. Portanto, poupar não é resultado de uma construção teórica, mas sim, de uma imposição natural do ambiente. Poupar é uma escolha intertemporal entre o consumo de hoje e o bem-estar ou a sobrevivência futura.

Para os povos autóctones dos extremos das Américas, como os Mapuches na Patagônia ou os Inuit no norte do Canadá, poupar para enfrentar o frio era mandatório. Já para os povos originários que viviam nas florestas tropicais, em um ambiente de abundância onde o clima propiciava o sustento farto durante todo o ano, poupar era um ato desnecessário. Tanto é que em diversas línguas amazônicas a palavra “poupar/guardar” sequer existia.

Na constituição do povo brasileiro encontramos a marca dos povos originários, que viviam em um ambiente de abundância onde a preocupação com o futuro era desnecessária, e também dos povos que para cá vieram escravizados, cujo futuro lhes fora roubado. Assim, podemos começar a entender a natural dificuldade que o brasileiro tem com o ato de poupar.

A necessidade de poupar

Se o ato de poupar para as necessidades futuras é uma imposição da sobrevivência, tanto é que diversos outros animais o fazem, existe outro motivo mais recente que nos leva a poupar: a reserva para a longevidade ou aposentadoria.

Enquanto éramos caçadores-coletores, vivíamos enquanto pudéssemos produzir; depois virávamos caça. Quando, há cerca de 12 mil anos, alguns grupos passaram a viver da agricultura, alguns poucos indivíduos passaram a conquistar vidas longas. Também, a ideia de patrimônio passou a existir. O patrimônio dos caçadores-coletores era aquilo que pudessem carregar. Com a agricultura, a posse da terra era algo duradouro que poderia ser legado aos descendentes.

Assim, criou-se um pacto entre gerações: os pais tentavam legar um patrimônio aos filhos via herança, mas em contrapartida, estes assumiam um compromisso tácito de cuidar dos genitores caso estes alcançassem a velhice. Como as famílias de agricultores passaram a ter muitos filhos que atingiam a idade adulta e como poucos conseguiam atingir a velhice, este pacto funcionou por milênios. Poucos pais velhos para muitos filhos jovens cuidarem.

Porém, com a redução do número de filhos e o aumento do número de pessoas que vivem muito, o pacto milenar vem colapsando. Passamos a ter muito pais velhos para poucos filhos cuidarem. Assim, é cada vez mais premente que cada pessoa construa uma reserva financeira para a velhice. E aqui entram em cena os planos de previdência públicos e os planos privados.

Quando um pai ou uma mãe não se dedica a fazer uma reserva para ser consumida após o momento em que não puder mais trabalhar, está hipotecando o futuro dos seus filhos. Continuar acreditando que poucos filhos vão dar conta de cuidar de pai, mãe e seus próprios filhos no futuro é um profundo ato de egoísmo.

Assim, se dedicar a investir em uma reserva de longo prazo, preferencialmente através de um plano de previdência privada complementando a previdência pública, é um ato de amor ao seu “eu futuro” e aos seus filhos, caso você os tenha.

Finalmente, a última reserva é aquela que fazemos para realizar sonhos. Historicamente, esta reserva é algo que nós, humanos, aprendemos a fazer mais recentemente, porém, é a primeira que ensinamos aos nossos filhos. Quando falamos de poupança para uma criança, sempre vamos associar a uma conquista, um videogame, um brinquedo ou um passeio. Poupar para a velhice ou para uma emergência é algo que nosso cérebro não quer pensar, porém, poupar para uma bela viagem de férias é muito mais simples.

As três reservas

Então, compreendidos os significados e seu desenvolvimento histórico, vamos falar dos aspectos práticos das famosas três reservas:

  1. Reserva de imprevistos: deve ser de um valor equivalente entre três e seis meses dos nossos gastos mensais e deve ser aplicada em investimentos de baixo risco e de elevada liquidez.
  2. Reserva de aposentadoria: deve ser feita ao longo de toda a vida e devemos investir de forma diversificada. Os planos de previdência são ideais por terem incentivos fiscais, contarem com gestão profissional e possuírem uma carteira diversificada de investimentos. O melhor momento para começar a construir esta reserva é logo ao receber o primeiro salário. O segundo melhor momento é hoje.
  3. Reserva de sonhos: para sonhos de curto prazo com data fixa para acontecer, aplicações de baixo risco. Para sonhos de longo prazo sem data fixa para acontecer, aplicações de maior risco e maior expectativa de retorno são ideais.

Em um mundo onde o consumo imediato é incentivado e a disciplina financeira é frequentemente negligenciada, entender a importância de poupar é fundamental para garantir a segurança financeira e o bem-estar a longo prazo. As lições da história nos mostram que poupar é uma prática enraizada nas necessidades básicas de sobrevivência e adaptação ao ambiente.

No entanto, em nossa sociedade moderna, poupar vai além de garantir a sobrevivência; trata-se de preparar-se para uma aposentadoria digna e alcançar sonhos pessoais. Ao considerar as três reservas essenciais — de imprevistos, de aposentadoria e de sonhos — podemos desenvolver uma estratégia financeira robusta que não apenas protege nosso futuro, mas também nos permite desfrutar de uma vida equilibrada e satisfatória. Investir em educação financeira e adotar práticas de poupança responsáveis são atos de amor e responsabilidade para com nós mesmos e nossas futuras gerações.

Jurandir Sell Macedo

Doutor em Finanças Comportamentais com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva, sendo pioneiro nesta área no Brasil. Nosso consultor na área financeira e previdenciária.

jurandirsell.com.br