Poupar consiste em guardar parte do dinheiro recebido. De definição simples, o verbo tem execução bem mais complicada. Os brasileiros viveram várias décadas inflação alta em que não havia estímulo para poupar e investir.
Ao mesmo tempo, o passado de má distribuição de renda criou uma espécie de consumo reprimido que leva todas as sobras de caixa a serem utilizadas, assim que possível, na realização de algum sonho que durante muito tempo pareceu distante.
O resultado é que as pessoas não guardam dinheiro ou acumulam menos do que precisarão no futuro. A seguir, o professor Fábio Gallo, da FGV, aponta os cinco passos iniciais para criar uma disciplina financeira e fazer o dinheiro sobrar.
1. Não tenha medo do planejamento
Mais de 95% da população brasileira não tem nenhuma forma de controle orçamentário. Mas hoje temos uma classe média muito mais robusta e a redução expressiva da pobreza no país. Quando você avalia esse contexto, percebe que o momento econômico propicia um planejamento mais fácil, mas não é isso que acontece.
A verdade é que tivemos uma história de inflação muito prolongada. Então as pessoas acreditavam que simplesmente não era possível fazer qualquer tipo de planejamento financeiro. Mas muita gente se esquece que as empresas sobreviveram a esse período justamente por terem aprendido a lidar com a escalada de preços. Hoje, a inflação não assusta como antes, mas persiste a cultura de que não é possível fazer investimentos sem saber o dia de amanhã.
2. Pense financeiramente em família
Até a geração mais nova que não sentiu na pele as consequências da inflação apresenta esse tipo de comportamento. A vivência não é mais destes jovens, mas muitos trazem a falta de orientação de casa porque os pais e avós não passaram para frente a importância do planejamento financeiro. Elaborei um curso gratuito de finanças pessoais em que pensei antes na família que em um único indivíduo. O diálogo dentro de casa é importante e as finanças do casal devem ser tratadas abertamente, com participação dos filhos.
Outro ponto importante é o estabelecimento de metas e sonhos. Com objetivos de longo prazo, fica mais difícil abandonar o planejamento em favor de gastos menores ou supérfluos.
3. Fique por dentro de todos os gastos
É preciso materializar o orçamento familiar em algum lugar e, por isso, você deve colocar todos os seus gastos na ponta do lápis, seja em um caderno ou em uma planilha eletrônica.
A primeira dica é sempre considerar os valores líquidos. Não adianta agir e pensar como se você ganhasse 5.000 reais por mês se entram na sua conta 4.200 reais livres de impostos e outros compromissos. Se mais de uma pessoa da família recebe salário, os recursos desse indivíduo devem ser somados ao orçamento coletivo.
Este controle é necessário mesmo para valores pequenos ou que não parecem causar tantos estragos. Quando você está no cinema, por exemplo, não deve pensar apenas no valor do ingresso. Conte com a pipoca e com o estacionamento. Você deve computar tudo para identificar os ralos por onde escorre o dinheiro.
4. Anualize a renda e as despesas
Nos Estados Unidos, costumamos escutar as pessoas falando sobre salários em termos anuais. Não temos o hábito de pensar em quanto ganhamos no ano inteiro por aqui. Recomendo, contudo, que essa análise seja feita. A partir daí, será possível saber, por exemplo, se a compra de um carro cabe no seu bolso. Afinal, não são apenas as parcelas do financiamento que vão corroer o orçamento: IPVA e seguro são anuais, mas devem ser considerados para o cálculo do real impacto desta aquisição nas suas finanças.
Da mesma forma, existem ingressos e saídas de dinheiro que mexem com o seu fluxo de caixa e não podem ser desprezados, como a restituição do imposto de renda, as matrículas de começo de ano e o pagamento do 13º do empregado doméstico.
5. Controle o consumo
Depois de ter exata noção do tamanho do seu orçamento e da extensão dos seus gastos, é preciso aprender a controlar o impulso de gastar. Uma boa forma para frear essa vontade é analisar o quanto cada despesa representa em termos de porcentagem no total das suas despesas: é mais fácil dizer não para uma roupa quando você sabe que ele representa 20% do que você ganha todos os meses.
Outra dica é tomar sua renda anual e dividi-la por 365. Assim você ficará por dentro de quanto ganha diariamente. Se você sabe que recebe 200 reais por dia (73.000 por ano e pouco mais de 6.000 reais por mês), começa a ponderar se deve mesmo gastar essa quantia para pagar o presente do cunhado. Dois dias do ano valem uma conta de celular? O intuito não é transformar ninguém em pão-duro, mas em pessoas conscientes das suas escolhas.