Finanças e previdência

A economia comportamental do investidor brasileiro: análise da 7ª edição do Raio X do Investidor Brasileiro da ANBIMA

Data de Publicação: 01/08/24

A interseção entre economia comportamental e demografia revela nuances importantes sobre o comportamento dos investidores brasileiros. Com base na 7ª edição do Raio X da ANBIMA, esta análise explora como fatores psicológicos, o cenário macroeconômico e a falta de educação financeira influenciam as decisões de investimento, especialmente no contexto da inversão demográfica, que exige um planejamento financeiro mais estratégico para a aposentadoria.

A influência de fatores exógenos nos vieses comportamentais

Importante destacar que o cenário macroeconômico exerce uma influência significativa sobre o comportamento dos investidores individuais, criando um ambiente de incerteza que pode levar a decisões irracionais. Fatores como inflação, taxa de juros, crescimento econômico, conflitos geopolíticos e instabilidade política podem causar “ruídos” no processo de tomada de decisão, afetando a confiança e a disposição dos indivíduos para investir. Segundo Shiller (2003), as flutuações macroeconômicas podem exacerbar os vieses comportamentais, como o excesso de confiança e a aversão ao risco. Por exemplo, a inflação alta pode levar os investidores a evitarem investimentos de longo prazo, temendo a perda do poder aquisitivo. Da mesma forma, mudanças abruptas nas taxas de juros podem desestabilizar mercados e aumentar a volatilidade, tornando os investidores mais cautelosos (Glaeser, 2004).

Analisando o perfil do investidor brasileiro, segundo a pesquisa da ANBIMA, observa-se que 63% da população brasileira ainda não investe, representando cerca de 101 milhões de pessoas. A demografia dos investidores brasileiros sugere que a classe média e as classes menos favorecidas dominam o cenário. Estudos como os de Kahneman e Tversky (1979) sobre a Teoria do Prospecto indicam que esses grupos são mais propensos a comportamentos avessos ao risco, influenciados por suas experiências econômicas e insegurança financeira, sendo este comportamento exacerbado pelas incertezas econômicas, condições financeiras desfavoráveis e pela falta de conhecimento sobre educação financeira. Em outras palavras, o contexto econômico amplifica as tendências psicológicas que guiam as decisões financeiras.

Educação financeira como ferramenta para a mudança

Conforme o estudo da ANBIMA, a segurança financeira é a principal vantagem percebida de investir, mencionada por 36% da população e 44% dos investidores. O retorno financeiro foi a segunda maior vantagem, citada por 20% da população e 28% dos investidores. A poupança é o produto financeiro mais conhecido (82%) e mais utilizado (25%), apesar de oferecer retornos relativamente baixos. As ações (11%), títulos privados e fundos de investimento (10% cada) são menos populares, enquanto a previdência privada e moedas estrangeiras têm menor penetração no mercado (apenas 2%). Esta preferência por segurança financeira e liquidez reflete a teoria da aversão à perda, onde os investidores preferem evitar perdas a adquirir ganhos equivalentes (Kahneman & Tversky, 1979). A familiaridade com a poupança e a percepção de baixo risco são fatores relevantes para sua popularidade, mesmo em detrimento de retornos mais elevados disponíveis em outros investimentos. Segundo teoria de Finanças Comportamentais, a dominância da poupança pode ser explicada pelo efeito de ancoragem, onde os indivíduos tendem a confiar em informações familiares e facilmente acessíveis (Tversky & Kahneman, 1974).

Diante desse cenário, a falta de conhecimento financeiro emerge como um dos principais obstáculos para um comportamento financeiro saudável, bem como pode ser observada atribuição ao viés de status quo, onde os indivíduos preferem manter suas práticas atuais devido à inércia ou ao medo do desconhecido (Samuelson & Zeckhauser, 1988). A pesquisa da ANBIMA aponta que a resistência à mudança é evidenciada pela dependência de fontes de informação populares, como o YouTube e a TV. Nesse sentido, a predominância dessas fontes destaca a necessidade de programas educativos mais abrangentes e acessíveis. De fato, estudos mostram que a educação financeira melhora a alfabetização financeira e promove uma maior participação em mercados financeiros (Lusardi; Mitchell, 2014). Apesar desses conhecimentos, a falta de familiaridade com produtos financeiros ainda é uma barreira significativa: em 2023, 59% da população não conhecia produtos de investimento.

Outro problema que traz reflexões é a percepção da alta dependência do brasileiro em relação ao INSS e a baixa taxa de poupança para a aposentadoria, refletindo um viés de curto-prazismo (desconto hiperbólico), onde as pessoas priorizam benefícios imediatos em detrimento das vantagens de longo prazo (Laibson, 1997). Esse comportamento é intensificado pela falta de educação financeira e pela desconfiança em relação aos sistemas privados de previdência. De acordo com a Teoria do Ciclo de Vida (Modigliani & Brumberg, 1954), os indivíduos deveriam planejar seu consumo ao longo da vida para garantir uma aposentadoria segura, no entanto, a falta de planejamento financeiro e balizamento no INSS aponta a necessidade constante de incentivos à educação financeira dos agentes do mercado. A pesquisa da ANBIMA revelou que menos de 20% das pessoas ainda não aposentadas têm uma reserva financeira para essa fase da vida. Entre aqueles que ainda não se aposentaram, 58% planejam começar a investir para a aposentadoria, enquanto 23% não têm nem pretendem criar uma reserva. A dependência do INSS é significativa: 50% dos não aposentados esperam contar com a previdência pública, e 88% dos aposentados utilizam o INSS como sua principal fonte de renda.

A inversão demográfica e o planejamento financeiro

O Brasil está vivenciando uma transformação demográfica profunda e a inversão demográfica é um fenômeno que afeta diretamente a necessidade de poupança para previdência. Segundo estudos do Censo IBGE, em 2022, o total de pessoas com 65 anos ou mais no país representa10,9% da população, um aumento de 57,4% em relação a 2010, enquanto população de 60 anos ou mais, que representa 15,6% da população total refletem um aumento de 56,0% desde 2010. Esta inversão demográfica é evidenciada pela diminuição da proporção de jovens e o aumento da população idosa. Em 1980, apenas 4% da população tinha 65 anos ou mais e a porcentagem de crianças de até 14 anos caiu de 38,2% em 1980 para 19,8% em 2022.

Paralelamente, a inversão demográfica brasileira pode ser caracterizada pela queda da taxa de fecundidade e pelo aumento da expectativa de vida, remodelando significativamente a estrutura etária da população. Esse processo, intensificado por fatores como a migração interna dos jovens e os impactos da pandemia de Covid-19, tem levado ao envelhecimento acelerado da população. Consequentemente, há uma crescente demanda por ajustes nas políticas públicas, especialmente nas áreas de saúde e previdência. As projeções indicam que essa tendência se intensificará nas próximas décadas, com um aumento substancial da proporção de idosos na população. O IBGE estima que até 2030, a proporção de pessoas com 65 anos ou mais deverá aumentar para cerca de 15% da população total. Essa mudança demográfica fomenta debates sobre a necessidade de conscientização de urgência de poupança para a aposentadoria, uma vez que a proporção de trabalhadores ativos está diminuindo em relação ao número de aposentados e a mudança na estrutura etária que acentua a pressão sobre os sistemas de seguridade social, enfatizando a importância de estratégias de previdência privada e educação financeira para busca por segurança orçamentária na aposentadoria.

Nesse sentido, a educação financeira se torna o caminho essencial para que os indivíduos compreendam a importância de poupar e investir adequadamente para o futuro. O estudo da ANBIMA destacou que o desconhecimento sobre produtos financeiros é um dos principais obstáculos para um comportamento financeiro saudável.  De mesmo modo, a priorização sobre educação financeira pode combater os vieses comportamentais mais percebidos entre a população brasileira, como a aversão ao risco e o viés de status quo. Estudos mostram que a educação financeira melhora a alfabetização financeira e promove uma maior participação em mercados financeiros (Lusardi & Mitchell, 2014) assim como a conscientização sobre educação previdenciária específica pode ajudar a mitigar viéses de curto-prazismo, incentivando um planejamento de longo prazo e uma maior adesão a produtos de previdência privada.

Segundo Thaler e Benartzi (2004), a implementação de estratégias de nudging (influenciar suavemente o comportamento, facilitando escolhas melhores) pode incentivar o aumento da poupança e a adesão a produtos de previdência. Essas práticas podem promover um comportamento mais racional e informado, alinhado com os objetivos de longo prazo dos investidores. As entidades de previdência privada possuem um papel importante na disseminação de informações e programas educativos, podendo oferecer programas de capacitação e consultoria personalizada para ajudar os investidores a entenderem melhor suas opções de investimento e planejamento para a aposentadoria, bem como contribuir para a criação de produtos financeiros mais flexíveis e compreensíveis, adaptados às necessidades e capacidades dos investidores brasileiros.

Por fim, percebe-se que 7ª edição do Raio X do Investidor Brasileiro da ANBIMA oferece uma visão abrangente das atitudes e comportamentos dos investidores no Brasil. A convergência entre economia comportamental, demografia e educação financeira molda as decisões de investimento, impactando diretamente a saúde financeira da população. A promoção da educação financeira, em conjunto com a oferta de produtos de previdência complementar, é fundamental para garantir a sustentabilidade financeira da população e reduzir a dependência do sistema previdenciário público.

Referências Bibliográficas:

  • 7ª edição do Raio X da ANBIMA: https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/raio-x-do-investidor-brasileiro.htm
  • Bloom, D. E., Canning, D., & Fink, G. (2011). Implications of population ageing for economic growth. Oxford Review of Economic Policy, 26(4), 583-612.
  • Glaeser, E. L. (2004). Psychology and the Market. American Economic Review, 94(2), 408-413.
  • IBGE. (2022). Censo Demográfico 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/
  • Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect Theory: An Analysis of Decision under Risk. Econometrica, 47(2), 263-291.
  • Laibson, D. (1997). Golden eggs and hyperbolic discounting. The Quarterly Journal of Economics, 112(2), 443-477.
  • Lusardi, A., & Mitchell, O. S. (2014). The Economic Importance of Financial Literacy: Theory and Evidence. Journal of Economic Literature, 52(1), 5-44.
  • Modigliani, F., & Brumberg, R. (1954). Utility Analysis and the Consumption Function: An Interpretation of Cross-Section Data. In K. K. Kurihara (Ed.), Post-Keynesian Economics (pp. 388-436). Rutgers University Press.
  • Samuelson, W., & Zeckhauser, R. (1988). Status Quo Bias in Decision Making. Journal of Risk and Uncertainty, 1(1), 7-59.
  • Shiller, R. J. (2003). From Efficient Markets Theory to Behavioral Finance. Journal of Economic Perspectives, 17(1), 83-104.
  • Thaler, R. H., & Benartzi, S. (2004). Save More Tomorrow™: Using Behavioral Economics to Increase Employee Saving. Journal of Political Economy, 112(S1), S164-S187.
  • Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases. Science, 185(4157), 1124-1131.

Bruno Ribeiro

Analista de Investimentos na Elos, graduado em Economia e pós-graduado em Finanças e Planejamento Financeiro. Há mais de 10 anos atuando no mercado de previdência complementar.

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