Meu avô materno era um descendente de italianos, com um sorriso largo e sempre cheio de histórias alegres para contar. Lembro-me de apenas uma história que ele contou, que o fez encher os olhos de lágrimas. Aparentemente, deveria ser uma história alegre de quando ele comprou um caminhão para a empresa da família e foi ensinar o pai a dirigir. Ele contou que, durante as aulas, percebeu que seu pai se sentia envergonhado em ser ensinado pelo próprio filho. Um dia, diante de um erro que cometeu, meu bisavô abandonou as lições e nunca mais dirigiu.
Durante vários milênios, o mundo mudava muito pouco de uma geração para outra. Dessa forma, o modelo tradicional de educação era vertical, com os mais velhos transmitindo conhecimento e experiência aos mais jovens. No entanto, esse fluxo de informação começou a se inverter com avanços tecnológicos e sociais, como o caso do meu avô ensinando seu pai a dirigir.
A tecnologia começou a mudar rapidamente a sociedade. A introdução de eletrodomésticos em casa, o advento da televisão e até mesmo a popularização do telefone, demonstraram que os jovens são normalmente mais ágeis em adaptar-se e, em seguida, em instruir os mais velhos sobre como navegar no novo cenário tecnológico.
Inversão de papéis
No passado, o conhecimento podia ser considerado um conjunto mais ou menos estático de fatos, e as habilidades eram transmitidos de uma geração para outra, mas com os rápidos avanços tecnológicos essa dinâmica se alterou de forma muito significativa. Em um mundo em constante mudança, o valor da educação deixa de ser apenas acumulativo e se torna também adaptativo.
Ou seja, o objetivo não é apenas adquirir uma quantidade fixa de informações, mas desenvolver as habilidades necessárias para navegar em um ambiente em constante transformação. Isso inclui a capacidade de questionar, adaptar e sintetizar diferentes tipos de conhecimento, provenientes de diferentes fontes.
A aceitação do ensino intergeracional no campo da tecnologia parece ter se tornado mais fluída e descomplicada. Entretanto, quando se trata de assuntos mais pessoais e arraigados, como a gestão de finanças pessoais, o cenário é um pouco diferente.
Pessoas mais velhas que viveram os longos anos de inflação extremamente elevada se acostumaram a viver sem muito planejamento, sem muito controle. Mesmo considerando que o Plano Real já tem quase três décadas, muitas pessoas que sofreram com a elevada inflação continuam mantendo comportamentos que não fazem mais sentido em uma economia de baixa inflação.
Concertando os erros do passado
Cada início de semestre, costumo perguntar para meus alunos quais os motivos que os levaram a escolher a disciplina de Finanças Pessoais, que é optativa para alunos de todos os cursos da Universidade Federal de Santa Catarina.
Em cada semestre, dois motivos são comuns: Não quero repetir os mesmos erros dos meus pais com suas finanças e quero ajudá-los a enfrentarem seus problemas financeiros.
Porém, mesmo com toda a boa vontade que muitos dos meus alunos têm em ajudar nas finanças de seus progenitores, a tarefa não costuma ser simples. Para muitos pais, suas habilidades financeiras são uma fonte de orgulho. Elas estão ligadas à sua capacidade de prover e proteger a família.
Durante anos, eles gerenciaram orçamentos domésticos, investiram, economizaram e navegaram por crises econômicas. Seu sentimento de que são verdadeiros sobreviventes de terríveis tempestades econômicas só complica a situação.
No entanto, a revolução da informação e uma economia relativamente estável trouxe consigo novas abordagens e instrumentos para gerir o dinheiro. A geração mais jovem, muitas vezes mais versada em novas tecnologias e técnicas financeiras, frequentemente se encontra em uma posição em que pode oferecer conselhos úteis e atualizados aos pais. Mas como fazer isso sem ferir o ego ou desrespeitar a experiência da geração anterior?
Costumo dar sete conselhos simples para meus alunos enfrentarem o desafio:
- Entenda a perspectiva dos pais: Reconheça que, para muitos pais, admitir que não possuem todo o conhecimento pode ser visto como uma fraqueza. As finanças, em particular, estão ligadas à ideia de responsabilidade e capacidade de prover para a família;
- Seja um ouvinte ativo: Temos duas orelhas e apenas uma boca; assim, o ponto mais importante do diálogo é a escuta. Antes de oferecer conselhos, ouça. Entenda as preocupações, estratégias e valores financeiros de seus pais. Essa base comum pode servir como um ponto de partida para introduzir novas ideias;
- Apresente informações como sugestões: Ao compartilhar conhecimento, faça-o de forma sugestiva em vez de prescritiva. Por exemplo, “Eu conheci uma nova forma de investimento que você poderia achar interessante” ou “Estou fazendo desta forma e estou gostando do resultado” soa melhor do que “Você deveria investir dessa maneira.”, “Você deveria trocar de banco porque o que eu uso é melhor”;
- Valide e integre suas experiências: Os métodos antigos de gestão financeira não são necessariamente obsoletos. Muitos conceitos financeiros tradicionais permanecem valiosos. Uma boa forma de valorizar o conhecimento dos pais é perguntando a eles como era viver em um ambiente de hiperinflação. É crucial integrar e valorizar a luta que os pais tiveram no passado ao apresentar novas estratégias;
- Tenha calma: Mudar comportamento pode demorar muito e é muito mais difícil desaprender do que aprender. Só podemos aprender se estivermos abertos ao novo;
- Não se culpe: Mudar ou não mudar é uma prerrogativa de cada um. Você pode combater o desconhecimento, mas jamais deve assumir a responsabilidade, caso o outro, mesmo conhecendo uma nova perspectiva, prefira manter a antiga estratégia. O problema é dele;
- Jamais tome decisão para os outros: Aconselhar é muito diferente de agir em nome do outro. Gestão financeira e investimentos trazem embutidos riscos e é da natureza humana tentar culpar os outros por uma decisão que não deu certo. Sempre deixe muito claro que as decisões trazem riscos e que, portanto, cada um deve se responsabilizar pelas decisões tomadas.
À medida que as finanças continuam a evoluir, o diálogo entre gerações se tornará ainda mais crucial. Em vez de ser um tabu, a educação financeira intergeracional deve ser vista como uma oportunidade para fortalecer os laços familiares e melhorar a segurança financeira para todos os envolvidos.
A história do meu avô sempre me fez refletir sobre como as gerações mais antigas podem sentir um misto de orgulho e vergonha quando os papéis educacionais se invertem. Infelizmente, meu bisavô nunca superou o desconforto de ser ensinado pelo próprio filho e perdeu a chance de viver uma experiência enriquecedora.
Se você tem um filho disposto a lhe ensinar algo novo, acredito que você não deve perder esta experiência.
Jurandir Sell Macedo
Doutor em Finanças Comportamentais com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva, sendo pioneiro nesta área no Brasil. Nosso consultor na área financeira e previdenciária.